Ao longo dos anos, o cinema nos apresentou uma variedade de vilões marcantes. De Drácula a Darth Vader, esses personagens semearam o medo e a revolta em nossas mentes, representando o mal em sua forma mais cruel e desumana. No entanto, nos últimos tempos, o cinema tem transgredido essa estrutura maniqueísta e apresentado vilões sedutores e complexos, capazes de nos fazer apaixonar pelo mal.

Em 2017, um filme em particular chamou minha atenção e me levou a refletir sobre a sedução do mal no cinema contemporâneo: Corra! (Get Out), dirigido por Jordan Peele. Na trama, um jovem afro-americano chamado Chris (interpretado por Daniel Kaluuya) é convidado pela namorada branca (Allison Williams) para conhecer a família dela em um fim de semana no campo. Porém, ao chegar lá, Chris percebe que a família esconde segredos macabros que envolvem a manipulação cerebral de pessoas negras.

O grande vilão da história é um cirurgião plástico branco chamado Dr. Armitage (Bradley Whitford), que realiza procedimentos cirúrgicos em cérebros de negros, transferindo suas consciências para os corpos dos brancos. O mais assustador é que ele faz isso acreditando que está fazendo um favor para a humanidade, eliminando a raça impura e unindo o melhor de cada raça.

Embora seja um vilão detestável, Dr. Armitage é também cativante pela sua inteligência, erudição e charme. Ele manipula a todos com sua retórica convincente e usa essas habilidades para justificar o mal que faz. Sua figura é assustadoramente real, uma vez que sabemos que existem pessoas no mundo que utilizam seus privilégios para submeter aqueles que consideram inferiores.

O filme não é apenas engenhoso pela sua narrativa, mas também pela forma como utiliza o gênero de terror para trazer à tona questões sobre racismo estrutural. Corra! é um marco no cinema contemporâneo, pois consegue atrair o público para uma reflexão ética e social a partir de um personagem malvado, que é, ao mesmo tempo, fascinante.

A sedução do mal no cinema é uma temática que tem sido explorada cada vez mais. Vilões como Hannibal Lecter, Loki e Coringa têm sido apresentados como personagens complexos, que nos fazem admirá-los em certa medida. Isso pode parecer contraintuitivo, uma vez que lutamos para combater o mal em nossas vidas cotidianas. No entanto, a sedução do mal nos filmes pode ser uma forma de discutirmos questões éticas e sociais, a partir de personagens que nos fazem refletir sobre a complexidade da natureza humana.

Por isso, Corra! é meu filme malvado favorito de 2017. Jordan Peele conseguiu trazer uma discussão importante para o cinema contemporâneo, utilizando o vilão como forma de sedução do mal. Ao assistir ao filme, somos forçados a refletir sobre o racismo, a manipulação cerebral e a intolerância, em um mundo onde o mal parece estar presente cada vez mais.